“Graças a Deus e ao seu trabalho”: procurador agradeceu desembargador por liminar
30 de outubro de 2024Conversas registradas entre o procurador de Justiça de Mato Grosso do Sul, Marcos Antônio Martins Sottoriva, da 5ª Procuradoria da Justiça Cível do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e o desembargador Marcos José de Brito Rodrigues, mostram que o segundo é suspeito de favorecer o primeiro contra decisão de 1º grau que indeferiu liminar em processo sobre a compra de uma fazenda no valor de R$ 5 milhões.
Ambos foram citados pela Polícia Federal e alvos de mandados de busca e apreensão dentro da Operação Ultima Ratio, desencadeada no dia 24 de outubro, resultando no afastamento de cinco magistrados do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) por suposta venda de sentenças.
Um mês após o pedido feito, conforme mostra o processo, Sottoriva agradece a Britto pelo fato consumado.
“Graças a Deus e ao seu trabalho, acabamos por fechar um acordo. Consegui alongar a dívida em mais uma parcela. Obrigado de coração. Boa Páscoa na bênção de Deus e de seu filho Jesus Cristo”, diz o procurador, conforme demonstrado pela PF em documento que o Dourados News teve acesso.
Tal relato levou os investigadores a entenderem que houve o favorecimento por parte do desembargador no caso.
“Portanto entendemos estar demonstrado que Marcos Britto proferiu decisão judicial em favorecimento indevido em razão do cargo de uma das partes”, afirma a Polícia Federal.
O caso
De acordo com as investigações, o fato ocorreu quando Marcos Antônio Martins Sottoriva encaminhou, em março de 2020, mensagem ao desembargador com o número de um recurso de agravo de instrumento contra decisão de 1º grau, que indeferiu liminar em processo ajuizado por ele a respeito da compra de uma fazenda, com valor da causa de R$ 5 milhões.
De acordo com a PF, mesmo sem ter acessado os autos, Marcos Britto pede para um assessor providenciar a elaboração da liminar concedendo os efeitos pretendidos sem entrar no mérito.
Os pedidos eram pela suspensão da exigibilidade das parcelas vincendas da fazenda comprada pelo procurador de justiça, a manutenção dele na posse do imóvel rural, até a devolução dos valores que pagou, a suspensão do pagamento de aluguéis, pelo procurador, quanto a imóvel que entregou como parte do pagamento, mas que continua em sua posse, ou autorizar que deposite os aluguéis em juízo, devolução, ao procurador, da posse de outros três imóveis que entregou como parte do pagamento, ou que os réus depositem os aluguéis em juízo.
Na época, o procurador alegava que o negócio havia ficado ‘oneroso’ para ele diante da China enfrentar grave surto de peste suína africana.
“Na decisão consta que Marcos Sottoriva requer a resolução do contrato de compra da fazenda por onerosidade excessiva decorrente da China enfrentar grave surto de peste suína africana, com extraordinária valorização da arroba do boi, tornando as prestações excessivamente onerosas, as quais são indexadas em tal valor”, diz a investigação da PF.
Já a parte contrária afirmou na época que o procurador “é pecuarista e tinha pleno conhecimento dos termos do contrato e do mercado do boi gordo, não podendo suscitar ignorância ou desconhecimento do negócio que celebrou, sendo que o contrato foi redigido pelo filho dele, que é advogado”, aponta.
Apesar das alegações, ainda de acordo com a Polícia Federal, o desembargador teria pedido para que o assessor assinasse a decisão favorável, o que chamou a atenção das investigações, podendo inclusive tornar o processo nulo.
Na mesma ocasião, menos de um mês depois da primeira mensagem, o procurador encaminhou as mensagens de agradecimento que terminaram em “obrigado de coração. Boa Páscoa na bênção de Deus e de seu filho Jesus Cristo”.
Operação
Na manhã de quinta-feira (24/10) foram cumpridos pela PF (Polícia Federal) e RFB (Receita Federal do Brasil), 44 mandados de busca e apreensão nas cidades de Campo Grande, Cuiabá (MT), Brasília (DF) e São Paulo (SP) com objetivo de investigar possíveis crimes de corrupção em vendas de decisões judiciais, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul.
A ação ocorreu dentro da Ultima Ratio.
Fonte: Dourados News