Odila: Lendas urbanas podem afetar inconsciente coletivo
22 de agosto de 2017As lendas urbanas ficam no inconsciente coletivo e podem interferir de maneira boa ou má. A mestra em história, advogada e produtora cultural Odila Lange, a Poetisa Guerreira, membro da Academia Douradense de Letras (ADL), que é também folcloróloga e autora de várias obras, vai mais adiante. Segundo ela, o “endeusamento” de alguns políticos pode virar uma grande lenda.
“As consequências disso são gravíssimas, principalmente, para as pessoas menos letradas que não veem o tal “endeusado” como ser humano sujeito a erros e acertos. Assim, políticos “endeusados” se perpetuam no poder e continuam colocando lá seus filhos, netos e bisnetos e muitas vezes nada fazem pelo povo a não ser trabalharem em prol de suas próprias causas e enriquecendo a custo da pobreza deste país”, analisa Odila Lange, que concedeu entrevista exclusiva ao DouradosAgora, hoje, Dia do Folclore. Confira.
Como é o folclore em Dourados e em Mato Grosso do Sul? No que o povo acredita?
O povo acredita em muitas crendices e superstições: se deixar o chinelo virado morre alguém da família; que sexta-feira 13 é dia de azar; que mulher menstruada não pode lidar com doces porque os mesmos desandam; que devem enterrar o umbigo da criança numa porteira de fazenda para se tornar fazendeiro; que passar por debaixo deuma escada dá azar; que ver um gato preto quando sai de casa é sinônimo de azar e por ai vai.
Quanto aos mitos de Mato Grosso do Sul temos uma riqueza muito grande: minhocão, nego d’água, mão-do-mato, anta sobrenatural, dono dos Porcos, pé de garrafa e muitos outros. Em relação às lendas, conheço algumas sendo a mais bela a Lenda dos Tuiuiús, de origem indígena, a Lenda do Come-Línguas, Lenda do Santo que Fugia e do Sinhozinho.
Lendas urbanas? Compartilhe algumas!
As lendas urbanas começaram a integrar o nosso folclore há pouco tempo e podem ser divertidas ou apavorantes dependendo da finalidade para qual a mesma foi criada. Quase não me dedico a esse estudo mas posso citar algumas como: O Carro Preto; A Loira do Banheiro, O Dobermann Sufocado, Ladrões de Órgãos, Banheiros Assombrados, O Lobisomem, O Fantasma do Pokémon, O Caminhão Encantado, A noiva Vestida de Branco, e mais uma infinidade de invenções do povo.
Estas lendas urbanas interferem no inconsciente coletivo, de que modo?
As lendas urbanas ficam no inconsciente coletivo das pessoas e podem interferir de maneira boa ou má. Quando a lenda é para apavorar, geralmente as pessoas ficam com medo de transitar por aquele local assombrado, principalmente à noite e amedrontam seus filhos menores com estas aparições. Quando a lenda é de bom cunho, as pessoas se apegam àquela figura fazendo até promessas etc. e tal. Toda lenda tem um sentido, nada surge por acaso e o inconsciente coletivo de nosso povo é bastante acessível a este tipo de aprendizado.
Voltando às lendas urbanas, o ‘endeusamento’ de figuras públicas, como políticos e partidos, por exemplo, poderia configurar uma crença baseada em manipulação emocional, cultural e social?
Acredito sim que o “endeusamento” de alguns políticos pode virar uma grande lenda. As consequências disso são gravíssimas, principalmente, para as pessoas menos letradas que não veem o tal “endeusado” como ser humano sujeito a erros e acertos. Assim, políticos “endeusados” se perpetuam no poder e continuam colocando lá seus filhos, netos e bisnetos e muitas vezes nada fazem pelo povo a não ser trabalharem em prol de suas próprias causas e enriquecendo a custo da pobreza deste país.
“Os governantes não investem em bibliotecas, as escolas não incentivam a leitura e os alunos só querem ler através do celular”
— Odila Lange, mestra em história, advogada, escritora e folcloróloga
Como professora de história e folcloróloga, como a senhora analisa a situação do Brasil hoje? É pior que o resto do mundo?
A situação do Brasil está catastrófica politicamente sim, mas, eu não diria que está pior que o resto do mundo. Não temos a fome de alguns países africanos nem as guerras dos países do Oriente Médio, nem as destruições por catástrofes naturais como aconteceu no Haiti. Ainda somos um povo abençoado por Deus. Até os atentados terroristas que acorrem na Europa ainda não chegaram por aqui.
Folclore ou folclore, qual a diferença? Além desta obra, quais marcaram sua trajetória cultural?
Folclore é a ciência que estuda o folclore que são as manifestações culturais de um povo. Digamos que todas as obras marcaram minha trajetória porque cada uma é um filho parido com muita dor e sofrimento mas trazendo ao final, muita alegria. Sinto-me orgulhosa em ter escrito a obra Sicredi 25 anos: uma história de sucesso, porque escrever este livro me proporcionou muito conhecimento a respeito do cooperativismo, sem contar que fui contratada para contar esta história, coisa muito rara para a maioria dos escritores.
Como a senhora vê a nova abordagem da Literatura na rede escolar do ensino básico. É suficiente ou carece de investimentos?
Podemos dizer que a Literatura está capenga, principalmente em Mato Grosso do Sul onde foi retirada da grade curricular do Ensino Médio pelo Governo do Estado e também o município extinguiu uma disciplina que tinha o nome de Leitura e Produção de Textos. Os governantes não investem em bibliotecas, as escolas não incentivam a leitura e os alunos só querem ler através do celular. Falam um tal de internetês que leva muitos a serem reprovados no vestibular. Nunca vi tanto descaso com a Literatura como nos dias de hoje.
Os poucos professores/as abnegados/as que trabalham com literatura tem que fazer das tripas coração para ter apoio até mesmo dentro dasescolas. Ainda existem alguns projetos de leitura mas só Deus sabe com que dificuldades são levados adiante. Eu tenho vivido esta triste realidade pois, criei um Projeto chamado”Mala de Letras” e ia no Jorjão duas vezes por semana e ninguém aparecia para ler um livro, nem sequer olhar pra ver o que tinha lá na mala.
Muitos/as ainda debochavam e riam de mim carregando aquela mala lotada de livros. Tentei divulgar os escritores douradenses e depois os sul-mato-grossenses, mas acabei desistindo por falta de interesse das pessoas. O que ganhei foi uma tremenda dor na coluna e nosjoelhos de tanto carregar malas de livros para lá e para cá.
Como escreveu Emmanuel Marinho, “poesia não compra sapato, mas como viver sem poesia”! Como é viver das ‘letras’ neste pais de não leitores?
Viver das Letras é quase impossível neste país. Apenas alguns poucos privilegiados é que deslancham suas carreiras de escritores e ganham dinheiro com isso. Posso afirmar que nem 10% dos profissionais da Literatura conseguem viver só escrevendo.
A maioria tem outras profissões e se desdobram como poetas, artistas, ensaístas, contadores de história, professores e tudo o mais para conseguir o pão de cada dia. Nossos grandes poetas como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e muitos outros eram cônsules ou adidos culturais em outros países por isso puderam publicar tantos livros.
O grande Mário Quintana nem casa tinha, morou a vida inteira em um hotel e seu sustento vinha do jornalismo e de um emprego público.
Considerações finais.
As minhas considerações são as seguintes: precisamos fazer uma corrente do bem e disseminar a leitura neste país, trazer de volta a Literatura para a grade curricular do Ensino Médio neste estado, não fechar os olhos para um escritor que precisa vender sua própria alma para poder editar um livro.
Enfim, todos/as somos responsáveis e eu estou fazendo minha parte: dia 29 de Outubro, Dia Nacional do Livro, estaremos distribuindo cerca de mil livros gratuitos no Parque Rego D’água. “Fazendo do Douradense um Leitor” é um Projeto meu com aval da ALB-Academia de Letras do Brasil, que precisa do apoio de todo mundo.
Fazer um povo ler é difícil mas se ninguém fizer nada, tomar uma iniciativa, viraremos uma país de analfabetos funcionais.
Dourados Agora