Quem manda na casa são eles
12 de março de 2018Por Jackeline de Lara*
É uma menina! Após ultrassom, é iniciada a maratona do rosa. Quarto rosa, cortina rosa, saída do hospital cheia de laços rosa, rosa, rosa, rosa, tonalidades rosa, para um vida cor de rosa. Não corra que pode cair e ficar marcas nas perninhas para sempre, não fique no sol para não envelhecer precocemente, carrinho jamais, isso é brinquedo de menino, escolha uma boneca. Não vou te comprar um skate porque você é uma princesa, que feio uma pré-adolescente suada, ninguém vai olhar para você, vou te dar uma bolsa linda.
É tão feio uma mulher bebendo, falando alto, isso é coisa de homem, se usar roupas curtas então, pior ainda, ninguém irá te respeitar. Está casada, e sai com as amigas, deixando os filhos com o esposo, mesmo que ele também tenha o dia dele, é uma vagabunda, com certeza quer aprontar.
No trabalho se não se dá por completo visto que tem os filhos para dividir a atenção, é melhor demitir, mãe funcionária é complicado, e se mesmo tendo filhos é dedicada, nossa essa é ambiciosa, não pensa na família, mata a mãe para subir de cargo.
Se sofre no casamento e fica como marido é uma covarde, se pede divórcio, não pensa na família. Se não se casa, vixi, deve fazer algo muito sujo ocultamente, por isso não quer saber de ninguém, essa encalhada.
Sempre colocando a mulher em situações depreciativas, constrangedoras, humilhantes, a sociedade patriarcal segue sem peso na consciência que nunca tiveram, e nunca terão.
Para nós, mulheres, são atribuídos responsabilidades, comportamentos, que sempre cumprimos com maestria, mas vivemos sobrecarregadas, com um nó na garganta que não cessa, nossa alma grita, e quando deixa de gritar é porque já estamos mortas, mesmo sem saber.
Quando falo em sobrecarga, não me refiro apenas em dupla jornada de trabalho, ou naquela mulher que trabalha na administração da própria casa, comum tendo um marido que ficaria irado se acaso chegasse ela pedisse para que ele preparasse o jantar. Não me refiro apenas àquela mulher que abriu mão da vida profissional, mas não ganha nada em troca de ficarem casa zelando pela família, como se ela nada realizasse de importante. Me refiro, entre outras situações, à todas as mulheres, que não têm a mesma liberdade que os homens, à todas as mulheres que quando enfrentam as regras machistas, são criticadas, violadas, excluídas, difamadas, e taxadas de má influência, ou necessitadas de conversão, de cura, de transformação de caráter, mesmo que essas mulheres, não prejudiquem ninguém, apenas optam em viver de uma forma não convencional, não em uma sociedade preconceituosa, arrogante, prepotente e hipócrita.
Uma mulher para ser aceita, precisa ser “feminina”, entre os ingredientes dessa “feminilidade”, está a submissão, a obediência, a timidez, auto depreciação, o castrar-se emocionalmente, carregar a parte mais complicada nos ombros, e se sujeitar a ficar com o papel de coadjuvante, mesmo sendo ela a protagonista.
Para assegurar que a supremacia masculina se perpetue, são criadas várias mentiras que caem no senso comum, e são transmitidas de geração em geração como sendo verdades. Uma delas é a ilusão que a mulher é quem manda na casa, manda nada, quem manda são eles, que decidem como a renda familiar será gasta, os programas de final de semana, as viagens, quem você pode ter amizade, etc.
Já avançamos, mas precisamos avançar muito mais, e a modernidade só tem trazido com ela, formas mais eficazes de nos calar, escravizar, distorcem até a palavra de Deus para eternizarem a sujeira do machismo, enquanto isso mulheres são estupradas, abusadas de todas as formas pelos próprios parceiros, pais, irmãos, amigos, professores, líderes religiosos, e infelizmente, por mulheres, adoecidas espiritualmente, emocionalmente, por toda essa pressão que vivemos desde sempre.
* Jackeline de Lara, graduada em Pedagogia, especialista em Educação Especial e em Educacão Infantil e Séries Iniciais, proprietária do Espaço Kids. Casada e mãe de duas lindas meninas.