Autismo: Atraso na comunicação é sinal de alerta, diz fonoaudióloga
3 de agosto de 2017Um dos principais marcos essenciais do desenvolvimento da criança depois do gatinhar, do andar e do balbuciar é a fala e apesar dessas etapas variarem a cada criança, é preciso estar atento caso haja atrasos significativos na comunicação, um dos principais sinais do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Trata-se de uma condição geral para um grupo de desordens complexas do desenvolvimento do cérebro, antes, durante ou logo após o nascimento. Esses distúrbios se caracterizam pela dificuldade na comunicação social e comportamentos repetitivos.
Embora todas as pessoas com TEA partilhem essas dificuldades, o seu estado irá afetá-las com intensidades diferentes. Assim, essas diferenças podem existir desde o nascimento e serem óbvias para todos; ou podem ser mais sutis e tornarem-se mais visíveis ao longo do desenvolvimento.
Uma pesquisa da Universidade do Rio Grande do Sul analisou 32 crianças diagnosticadas com autismo e mostrou que 61% dessas crianças apresentaram atraso na fala. Esse, aliás, foi o principal motivo que os levaram ao consultório de um especialista.
A mesma pesquisa apontou que geralmente é considerado atraso na fala quando a criança não balbucia ou não emite nenhum som a partir do terceiro mês, ou quando aos oito meses, não fala nenhuma vogal ou consoante, e com 16 meses não fala nenhuma palavra e não combina duas palavras aos dois anos. Pode ser que esteja apenas um pouco atrasada, mas é necessário que seja avaliada por um profissional especializado no desenvolvimento linguístico.
Isso porque muitas famílias e especialistas não conhecem os sintomas ou menosprezam os sinais. A demora impacta no desenvolvimento que a criança pode atingir. Segundo levantamento feito pela Apraespi (Associação de Prevenção, Atendimento Especializado e Inclusão da Pessoa com Deficiência), entidade de Ribeirão Pires que atende 150 crianças e jovens com autismo das sete cidades do Grande ABC, 90% receberam atendimento com idade superior à recomendada – no máximo, 3 anos.
Em Dourados, uma das principais referências no assunto é a fonoaudióloga e especialista em linguagem, Marta Falleiros Calemes. Ela alerta os pais sobre como buscar o diagnóstico e o que fazer para ajudar as crianças autistas a se comunicarem de forma mais eficaz. Confira a entrevista.
Quais são os sinais precoces relacionados com a linguagem que indicam que a criança possa estar no espectro autista?
A comunicação do bebê se inicia bem antes da fala propriamente dita. A troca de olhares com a mãe durante a amamentação, o sorriso durante a interação com adultos, apontar objetos de seu interesse, vocalizar em resposta a conversa dos pais ou outros adultos, etc. Antes de falar as primeiras palavras a criança já entende e responde a comandos simples, como “pisque os olhos! Dá tchau!, joga beijo pro papai!”. Se vira quando é chamada, gosta de brincadeiras que envolvam interação, do tipo Achei você! Vou te pegar!!!. O atraso no desenvolvimento da fala é um sinal importante, mas como vimos, antes de falar a criança já apresenta comportamentos comunicativos. A ausência desses sinais são possíveis indicadores de que a criança possa fazer parte do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Quais são alguns dos desafios de comunicação enfrentados pelas crianças no espectro autista?
A comunicação sempre estará comprometida em diferentes níveis nas crianças com TEA, dependendo do grau de severidade do quadro ou do tempo de terapia realizada. As dificuldades nessa área vão desde não conseguir solicitar o que necessitam, como água ou ir ao banheiro, até dificuldades mais sutis como as que se referem às questões subliminares da linguagem, pois os autistas são literais no que diz respeito à fala e comunicação. Tem dificuldade para entender ironia, piadas, mensagem com duplo sentido, expressões de linguagem (ex: entrar pelo cano, dar com os burros nágua, etc.) O aprendizado dessas características da linguagem tem que ser programado e treinado. Infelizmente, há crianças que, apesar da intervenção, não aprendem a falar. Para essa população utilizamos métodos de comunicação alternativa.
O que mais pode contribuir para as dificuldades de comunicação em crianças autistas?
Além dos aspectos citados acima, ao nos comunicarmos com um indivíduo autista, devemos evitar frases muito longas com muitas informações de uma vez só. Nossa fala deve ser clara e objetiva, sem acrescentar informações não relevantes para a situação, pois isso confunde e acaba atrapalhando o entendimento da mensagem.
O que os pais e os encarregados da educação podem fazer para ajudar as crianças autistas a se comunicarem de forma mais eficaz?
Os pais e a escola contribuem imensamente com o desenvolvimento de fala e intenção comunicativa dessas crianças. O ambiente doméstico e escolar são riquíssimos em oportunidades comunicativas que demandam fala e linguagem. Momentos como banho, alimentação, brincadeiras com primos e amigos, recreio, atividades coletivas, devem ser aproveitados, dando tempo e motivo para que a criança se comunique. Pais e professores devem incentivar a criança de forma natural, sem muita pressão e sempre que uma tentativa de comunicação ocorrer, mesmo as não verbais (apontar, sorrir, se aproximar, compartilhar objetos), devem reforçar e elogiar a criança.
“(…) ao nos comunicarmos com um indivíduo autista, devemos evitar frases muito longas com muitas informações de uma vez só…”
— Fonoaudióloga Marta Falleiros Calemes
Como os pais podem incentivar as habilidades de linguagem social?
Os pais devem dar modelos adequados e incentivar a imitação dos mesmos. Por exemplo, ao chegar num lugar, cumprimentar as pessoas de forma simples e fácil de ser imitada dando oportunidade à criança para fazer o mesmo. Por vezes, as crianças precisam de um tempo maior para iniciar seu turno, portanto, esperar com paciência, pode ser o que a criança precisa. A criança deve ser preparada, com antecedência, sobre as atividades e lugares para onde irá. Recomendamos o uso de figuras que representem o lugar ou atividade a ser realizada, para auxiliar no entendimento por parte da criança, evitando assim, que esta fique agitada ou nervosa com a mudança na rotina.
Como é feito o diagnóstico? E porque ele é tão difícil? O autismo ainda é confundido com algumas doenças?
Não há marcador biológico que detecte ou identifique o Autismo, ou seja, não é possível identificá-lo através de exames de imagens ou laboratoriais. Diante disso, o diagnóstico é clinico baseado em escalas de avaliação de desempenho, entrevista com os pais, observação comportamental, avaliação de linguagem e outros. Dessa forma necessita-se uma avaliação conjunta envolvendo várias áreas profissionais para se chegar a um diagnóstico preciso. Fazem parte dessa equipe neurologista ou psiquiatra infantil, pediatra, psicóloga comportamental, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, psicopedagoga. Por vezes o Distúrbio Específico de Linguagem (DEL), que é um atraso abrangente na aquisição de habilidades linguísticas, tanto receptivas quanto expressivas, pode, num primeiro momento, ser confundido com TEA, pois na primeira infância apresenta alguns sintomas semelhantes.
Como é o tratamento e quais os avanços que ele proporciona?
Em relação ao tratamento, é muito importante que seja iniciado o mais precocemente possível. Dessa forma melhores resultados são alcançados. Não há duas crianças autistas com os mesmos comportamentos e características, por isso a intervenção deve ser planejada e executada de acordo com as necessidades individuais de cada criança. Á medida que se ganha habilidades, novos objetivos são programados de forma a atender o que a criança pode e necessita adquirir em cada momento de sua vida. Em alguns casos, juntamente com a intervenção terapêutica, pode ser necessário o tratamento medicamentoso para atenuar sintomas indesejados, como agitação, alterações do sono, etc.
Quais são as conseqüências para a falta de tratamento adequado?
O individuo que não recebe tratamento adequado ou não tem tratamento de forma alguma, não desenvolverá habilidades importantes para a convivência em sociedade, deixará de mostrar seu potencial e competência e terá graves problemas comportamentais e de comunicação que prejudicarão sua vida nos âmbitos familiar, escolar e profissional.
Dourados possui alguma instituição de apoio e orientação aos pais de crianças com TEA?
Existe em Dourados uma Associação de Pais e Amigos de Autistas, a AAGD, que apoia e orienta os pais e familiares de crianças dentro do Espectro. A AAGD também organiza seminários de formação profissional que abordam temas como inclusão escolar, ensino estruturado, técnicas de intervenção, etc. Também desenvolve projetos de estimulação em diferentes áreas como “ginástica especializada, equoterapia e musicalização”. Recentemente, em parceria com o município, iniciou-se atendimento psicológico aos pais, pois sabemos que os mesmos passam por situações de grande estresse e preocupação com seus filhos.
Dourados Agora