Burocracia “trava” lei que prevê desconto na compra de veículo novo
4 de junho de 2017Sem conhecimento sobre procedimentos e documentos exigidos, muitas pessoas desistem de lutar por redução no valor de carros zero km.
Uma verdadeira peregrinação em busca de direitos. É o que muitas pessoas com necessidades especiais enfrentam para conseguir redução de até 30% na aquisição de um veículo zero quilômetro, como estabelece a lei federal 8.989, de 1995.
O processo, entretanto, pode ser bem demorado, considerando a burocracia encontrada junto aos órgãos competentes. Há cerca de dois meses, a administradora Carina Oliveira Próspero Pache, 24 anos, diagnosticada com escoliose acentuada, luta para adquirir um automóvel com características que possam reduzir as dores na coluna que ela sente ao dirigir.
Em abril, ela deu entrada no Detran-MS (Departamento de Trânsito de Mato Grosso do Sul), em Campo Grande, para obter uma CNH (Carteira Nacional de Habilitação) específica a pessoas com necessidades especiais – primeiro passo para conseguir o benefício.
“Descobri que tinha que passar pelo Detran para alterar a minha carteira, que ainda é tradicional. Paguei uma taxa de R$ 196,54. Lá disseram que eu não tinha nenhum problema físico visível, como um membro amputado, e me orientaram a procurar a junta médica do órgão, onde paguei outra guia de aproximadamente R$ 320,00.”
Os peritos reconheceram a deficiência física, porém deram uma CNH nova com as mesmas características da anterior, ou seja, sem restrição nenhuma. “Me disseram que eu deveria ter levado laudos mais detalhados sobre minha condição”, ressalta.
O Detran informou, por meio da assessoria de imprensa, que o requerente, mesmo tendo a deficiência, não necessariamente será avaliado com as restrições ou limitações que dará o direito ao carro adaptado.
“Quando se enquadram dentro dos critérios da lei, não há dificuldades. São indeferidos pedidos que não apresentam a deficiência física que comprometa a dirigibilidade”, informou.
“Não preciso de um veículo adaptado, mas com pelo menos direção hidráulica e câmbio automático, que geralmente é mais caro. O desconto é importante para mim e é um direito meu”, pontua Carina.
Solução – Cansada da “via crucis”, Carina procurou apoio de uma empresa em Campo Grande que providencia todos os procedimentos necessários para obtenção do benefício. “Acho que agora vou conseguir comprar um HB20S, que sairá em torno de R$ 40 mil, com o desconto. Poderia ter evitado toda essa dor de cabeça”, conta.
“O maior problema é que muitas pessoas com deficiência de nascença ou que ficaram doentes ao longo da vida desconhecem a legislação. Ou não vão em busca de seus direitos ou acabam desistindo porque enfrentam muitos obstáculos burocráticos e até mesmo recusas”, revela Gilberto Belchior, sócio-proprietário da empresa.
De acordo com a Abidef (Associação em Defesa das Pessoas com Deficiência), em 2016, as vendas de carro com isenção chegaram a 106 mil unidades, um crescimento de 26,5% em relação ao mesmo período do ano anterior.
O benefício é concedido pela Receita Federal e Secretaria Estadual de Fazenda, sendo que o Detran apenas emite o laudo médico.
Legislação – Pessoas com necessidades especiais têm direito a isenções de tributos como IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), IOF (Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros) e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) – nesse caso o desconto é válido para modelos de até R$ 70 mil.
O benefício se estende aos familiares e responsáveis legais. Pessoas portadoras de doenças (câncer, hepatite C, Parkinson, problemas graves de coluna, diabetes, LER/DORT, HIV positivo e hemofílicos) e idosos também têm direito em muitos casos.
No total, são mais de 100 milhões de brasileiros que podem ter direito a comprar carros 0 km com isenções de impostos, de acordo com o último censo do IBGE, em 2010. No país, cerca de 46 milhões de brasileiros possuem com alguma deficiência ou mobilidade reduzida.