Elas empreendem: Mulheres investem em setores ‘masculinos’ e mostram a que vieram
8 de março de 2019De acordo com os dados do Sebrae-MS, nos últimos 19 anos a GEM (Global Entrepreneurship Monitor) vem demonstrando em suas pesquisas as características dos empreendedores brasileiros e seus negócios no Brasil. Os dados atuais mostram que no pais existem 24 milhões de negócios liderados por mulheres.
A pesquisa mostra ainda que elas se destacaram na abertura de novos negócios – foram 14 milhões de empresas abertas por mulheres, superando as iniciadas por 13 milhões de homens.
Mas, mesmo em 2019, quando se fala em empreendedorismo feminino temos uma visão da mulher investindo em seu próprio universo, ainda não lidamos direito com o empreender delas em setores, ainda, vistos como masculinos. Segundo elas, o preconceito ainda existe e acaba sendo pior quando vem de outra mulher.
Para celebrar esse dia merecido por elas, o Jornal Midiamax, conta a história de três mulheres que além de donas de casa, mães e esposas se aventuraram rompendo barreiras assumindo posições de liderança nestes setores, resistiram ao preconceito, entre outras pedras no caminho.
‘Imposição do Destino’
Para a produtora rural, Dora Ledi Bileco, 52 anos, a imposição veio do destino, como ela mesma relata. Nascida no Rio Grande do Sul e criada no ambiente do campo, ela veio para Campo Grande ainda adolescente para estudar. Se formou em Arquitetura e Urbanismo e no ano de 1986 casou com o então marido, também criado no meio rural.
Em 2009, infelizmente, após um trágico acidente, Dora se viu viúva, com dois filhos, a propriedade rural, um escritório e um comércio para cuidar. “Além da perda do meu marido, que foi um momento de muita dor. Eu tinha dois filhos pequenos, tinha meu escritório de arquitetura, era dona de uma papelaria e precisei estar à frente da propriedade rural”, conta.
Para Dora, assumir o posto de gestora da fazenda era necessidade. “Eu não poderia delegar a outra pessoa, sem ao menos ter conhecimento de como funciona a empresa. Porque a fazenda é sim uma empresa, é de onde vem o sustento da família”, explica.
Durante dois anos e meio, Dora fez jornada quadrupla. “Eu fiquei dois anos e meio morando na propriedade com meus filhos, e trabalhando ainda como arquiteta e cuidando da papelaria, mas precisei decidir. Não dava para continuar cuidando de tudo, então eu vendi a papelaria, doei todo o estoque, fechei o escritório e assumi de vez a fazenda”.
Dora conta que já passou por todo tipo de preconceito desde quando assumiu. Até mesmo situações de violência, que não gosta muito de comentar. “Eu não quero que vejam a Dora como coitadinha. Mas já precisei de força policial para tirar funcionário da fazenda que queria me agredir. Já lidei com todo tipo de assédio. Mas resisti e hoje me sinto realizada e não me vejo fazendo outra coisa”.
“Mas o pior preconceito mesmo que passei, e ainda passo, é o das mulheres. O pior machismo vem das mulheres. O pior abandono é o das mulheres, que deviam estar ao nosso lado. Eu perdi meu marido, precisei assumir a posição de gestora da propriedade, e as amigas que estavam sempre dentro da minha casa com seus maridos me abandonaram. Uma mulher é vista como inimiga, ou ameaça, não devia ser assim”, conclui.
A escolha pela sobrevivência
Se arriscando na área da prestação de serviços, para a encanadora Viviane Aparecida da Silva, 40 anos, empreender nessa área foi uma escolha de sobrevivência. Há 11 anos ela se viu em um empasse. Divorciada, mãe de dois filhos e sem emprego. Segundo ela, não podia escolher muito. Então, em uma empresa de construção de casas pé moldadas descobriu que realmente gostava do canteiro de obras.
“Eu comecei como servente de obras, mas fazia serviços pequenos de limpeza. E um dia quando voltei do almoço, o meu encarregado me mostrou uma pecinha me perguntando se eu sabia o que era. Eu respondi que não sabia, mas que provavelmente era um cano (risos). Nesse momento ele começou a me passar os projetos para desenhar nas paredes. Mas eu continuei como servente, então decidi fazer um curso de segurança privada. E vi que ficar parada igual um poste não é para mim”, explica.
Ela conta que nesse momento decidiu então investir na área dos encanamentos. “Comecei com servicinhos pequenos, e fui fazendo cursos. Entrei em uma empresa como auxiliar de encanador. Trabalhava de segunda a sexta, e nos finais de semana comecei a fazer minha clientela com serviços por conta. Fui subindo de cargo na empresa, até chegar no posto de encarregada, então decidi pedi as contas e comecei a trabalhar como autônoma. Há 3 anos, resistindo aos preconceitos e conquistando meu espaço”.
“No começo foi difícil, do dia 1º até o dia 20 era maravilhoso. Do dia 21 até o final do mês, era desesperador, porque acabavam os serviços. Hoje eu tenho cliente me esperando há dois meses. Domingo eles me ligam e se eu não posso, eles dizem que vão me esperar. Mas eu não comecei por cima não. Fui engatinhando. Éramos eu, minha bicicleta e minhas ferramentas. Hoje tenho 4 funcionários, obras grandes, conquistei minha casa, meu carro, minha moto. Mas tem que trabalhar bastante, para um dia eu chegar na posição de só mandar (risos), por enquanto ainda boto a mão na massa”, explica.
Viviane relata que já perdeu serviços por preconceito. “Um senhorzinho de 95 anos me mandou embora por eu ser mulher. Fazer o que, infelizmente acontece. Mas hoje dentro da obra eu tenho muito respeito, eles me chamam de senhora, não questionam minhas ordens, eu até estranho às vezes”, conclui.
Da frustração à realização
Outra área ainda pouco explorada pelas mulheres é a área de tecnologia. De modo geral nesse ambiente é comum encontrar o garoto jovem e nerd, mas lá elas também estão conquistando sua posição. A designer de software Carolina Vilela Borges, 29 anos, conta que quando começou em 2011 na área o número de mulheres vistas por ela era um total de zero, hoje ainda a presença feminina é tímida, mas elas já são vistas nas empresas especializadas no assunto e o preconceito é bem menor.
“Em 2011 eu consegui meu primeiro estágio na área e não via nenhuma mulher. Eu vim de um curso de nutrição 100% feminino, mas a profissão não me agradou e me aventurei na tecnologia, que era 100% masculina”, conta.
Além de ser mulher, Carol é homossexual, mas não acredita que sofra tanto preconceito assim. “É uma área de pessoas mais jovens, o homem que lida com tecnologia, ele tá acostumado com uma cultura gringa, não existe linguagem de programação no Brasil, então o preconceito ele é bem menor. Eu sei que não há igualdade, nos outros países, mas eles lidam melhor com a questão dos gêneros”, explica.
Carol, chefia uma equipe de 5 homens – entre 18 e 23 anos – e para ela a diferença entre ser mulher e homem na área da tecnologia, é não se permitir errar. “A mulher ela precisa estar mais preparada, ela não pode errar. Nossa qualidade precisa estar acima da qualidade do homem. Precisamos ter nossa postura. Mas foi a área em que eu me realizei. Não me vejo fazendo outra coisa”, conclui.