Em busca de oportunidades no RJ, indígena douradense é aprovado em escola de atores

Em busca de oportunidades no RJ, indígena douradense é aprovado em escola de atores

14 de março de 2022 0 Por meums
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Entregador, jardineiro, passeador de cães, panfletagem, serviços gerais, auxiliar de cozinha. Florismar de Souza Vargas, 28 anos, fez ‘de tudo’ antes de passar em seletiva da escola de atores Wolf Maia no último dia 3 de março.

O indígena da Aldeia Jaguapiru, em Dourados, é um dos aprovados para turma de 2022 da respeitada instituição de ensino e já começou as aulas do curso que acontece de maneira remota neste primeiro semestre. As aulas presenciais acontecem no segundo semestre na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro (RJ).

Ele saiu de Dourados no dia 25 de janeiro e rapidamente passou a conciliar os estudos com o trabalho de sushiman em restaurante de Nova Iguassu (RJ), onde está morando.

Com a aprovação, Florismar passou ser o primeiro douradense a ingressar na Wolf Maia, o segundo sul-mato-grossense a realizar este feito, além de ser o segundo indígena do país a ter o nome entre os aprovados nesta escola voltada a formação de atores.

Juventude na Aldeia 

Além da aprovação que pode dar início a tão sonhada carreira artística, o que chama a atenção é a trajetória de Florismar de Souza Vargas, antes de deixar Mato Grosso do Sul e se aventurar pelo Rio de Janeiro.

Até o dia 25 de janeiro de 2022, o douradense só havia viajado uma vez na vida, em 2012, mas sem sair dos limites geográficos do Estado em que nasceu e permaneceu por todos estes anos.

Na infância, estudou nas escolas municipais localizadas na Reserva Indígena de Dourados e ajudava os pais em família com composta por ele e mais dez irmãos.

A mãe trabalhou por décadas como merendeira em escola do município. Já o pai de Florismar trabalha com conserto de bicicleta. 

Imerso em uma realidade completamente alheio ao mundo artístico, o jovem indígena pensava em ser ator, porém, tinha que garantir, antes de tudo, a sua subsistência.

“Eu sempre via como era o mundo da arte e eu queria estar nesse meio, porém era um sonho muito distante”, disse Florismar em entrevista concedida nesta semana ao Dourados News.

Trabalho e sonho

Aos 16 anos de idade, o novo aluno da Escola Wolf Maia gerava renda como entregador nas ruas de Dourados.

“Primeiro que eu sempre tive que trabalhar e para pagar um curso profissionalizante é bem difícil. A cidade também não ajuda as pessoas que como eu, pensam em seguir carreira de artista de teatro e de cinema, por exemplo”, comentou.

Florismar também chegou a lavava calçada, passeava com cachorros e rastelava quintais de casas em bairros nobres da cidade.

Trabalhou ainda com panfletagem, antes de ser ter seu primeiro registro em carteira de trabalho para vaga de serviços gerais em uma pizzaria, oportunidade que mudou completamente sua vida.

“Eu nunca escolhi serviço, então o que aparecia eu entrava. Nesta pizzaria me deram a oportunidade de trabalhar de auxiliar de cozinha e também no bar. Acabei aprendendo muito”, contou.

A experiência como auxiliar de cozinha o levou para prestar serviço em um restaurante japonês.

A dedicação foi tamanha que anos depois Florismar se tornou sushiman, profissão que lhe rendeu, após divulgação no Instagram, convites para trabalhar em várias cidades do Brasil, entre elas, Nova Iguassu no Rio de Janeiro.

Neste tempo, o indígena ficou desempregado por meses em Dourados durante a pandemia de coronavírus, voltando a trabalhar como entregador, antes se conseguir um novo emprego em restaurante japonês.

Vida nova no Rio

Eis que depois de vencer o medo de deixar a aldeia onde morou por toda a vida até aqui, e também a cidade de Dourados onde trabalhou por todos estes anos, Florismar desembarcou no Rio de Janeiro no dia 26 de fevereiro.

Até então, a tentativa de entrar na escola Wolf Maya era somente mais um sonho ‘maluco’. “Eu estava mais do que acostumado a tentar e ver as portas se fecharem para mim. Mandava e-mails e me inscrevia em seletivas desde os 20 anos de idade”, disse.

Ele foi aprovado na segunda chamada do curso profissionalizante voltado a formação de atores. A seletiva aconteceu em plataforma online, onde na prova era examinada a capacidade do postulante em improvisar e se comportar em frente as câmeras.

“Tive que criar uma cena e atuar na frente deles. Jogaram um assunto pra mim e eu consegui desenvolver”, detalhou ao Dourados News.

Florismar teve que dar uma entrevista aos avaliadores e passar ainda por outro teste antes de finalmente ser incluído entre os novos estudantes da instituição.

No intervalo do trabalho em um restaurante de Nova Iguassu, ele encaminhou a documentação para efetuar a matrícula e nos dias seguintes entrar para o grupo dos alunos no Wattsapp e participar das primeiras aulas.

“Sobre a aprovação, acho que é uma porta que se abriu para gente levar a nossa cultura. Não deixar ela morrer. Eu me considero um ativista indígena e quero representar as aldeias”, disse emocionado.

Assim, aos 28 anos, Florismar de Souza Vargas se tornou o primeiro douradense a ingressar na Wolf Maia. Ao nível de Estado, apenas o ator Ronei Farias havia representado Mato Grosso do Sul nesta escola.

Já entre os indígenas, Inaiê Kariny saiu do Pará e foi morar em São Paulo (SP) após aprovação na Wolf Maia.

Florismar finalizou a entrevista afirmando estar focado no trabalho e nos estudos, mas que pretende voltar para Dourados para visitar familiares e amigos no final do ano.

 

Dourados News


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