Pelo cooperativismo, japoneses fazem de Terenos a cidade dos ovos
11 de janeiro de 2018Na colônia Jamic nasceu cooperativa que tem hoje 80% do mercado de ovos do Estado
Da diáspora japonesa no pós-guerra à reconstrução de vidas em Mato Grosso Sul através do cooperativismo. Essas são as duas pontas de uma história de quase 60 anos de imigrantes japoneses, vindos da província de Yamaguchi e que fizeram de Terenos a capital sul-mato-grossense dos ovos.
Nesse pequeno município, com 20 mil habitantes e a 25 quilômetros de Campo Grande, está a Camva (Cooperativa Agrícola Mista de Várzea Alegre), formada por imigrantes em área adquirida pela Jamic (Japan Migration and Colonization), empresa governamental que estimulava a migração japonesa através do financiamento de compra de terras.
O diretor-presidente da cooperativa, Reinaldo IssaoKurokawa, conta que a migração para Terenos ocorreu em 1959 e 1960, quando os japoneses se recuperavam (processo que continua, de alguma forma, até hoje) da destruição provocada pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Eles dividiram 36 mil hectares da então fazenda Várzea Alegre, comprada pela Jamic. Nascia a colônia Jamic e a capital dos ovos de Mato Grosso do Sul.
“Algumas famílias receberam 25 hectares, outras, em lugares mais distantes, de 35 a 50 hectares, e uma terceira parte recebeu até 300 hectares em áreas mais arenosas”, detalhou Issao. “A maioria achou grande o espaço. Diziam: ‘Que vou fazer com 25 hectares? É muito pra plantar hortaliças!’”, rememora.
Sem muito planejamento, começaram, então, a cultivar, além de hortaliças, algodão e arroz. Amargaram prejuízos e alguns desistiram da agricultura. “Em dezembro de 1962, as famílias começaram a trabalhar com produção de ovos”, lembra Kurokawa. De acordo com ele, a proposta da atividade veio da própria Jamic, que tinha necessidade de que o empreendimento japonês em Terenos desse certo.
Inicialmente, as galinhas eram criadas soltas e, em meados da década de 1970, começaram a ser construídos os primeiros galpões para o confinamento das aves. O sistema em gaiolas seguiu paralelo com o da criação das galinhas soltas até o ano de 2000. Desde então, a produção nas granjas é feita somente em gaiolas, o que demanda custos menores.
Para desenvolver a atividade, as famílias japonesas criaram a Camva, que tem, atualmente, a maior parcela do mercado sul-mato-grossenses de ovos. São 26 cooperados com número estimado de quase um milhão de cabeças de aves.
“A organização em cooperativa é importante, porque todos se ajudam”, nota Issao. Com a cooperativa, os custos de produção são amenizados. A Camva produz a ração e a fornece aos associados. Depois, recebe os ovos e paga a diferença. Fora da cooperativa, o granjeiro tem de arcar, sozinho, com as diversas despesas, como ração e vacinação das aves.
No contexto agropecuário sul-mato-grossense, a produção da Camva é expressiva. Conforme o zootecnista Francisco Manabu Suzuki, diretor administrativo da cooperativa, são produzidos, em média, 2,1 mil caixas por dia. Cada caixa tem 360 unidades, totalizando 756 mil ovos diariamente.
Arredondando para a média de 750 mil unidades e considerando expediente diário de oito horas, a produção da Camva corresponde a 1.562 ovos por minuto. Essa quantidade alimentaria 98 brasileiros durante um mês – o consumo per capita médio anual no País foi, em 2016 (último dado), de 190 ovos, de acordo com a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).
Segundo Suzuki, saem do local, diariamente, dois caminhões pequenos e três grandes, carregados de ovos, que abastecem o atacado e varejo de diversas cidades. “Rondonópolis, em Mato Grosso, e aqui, no Estado, Campo Grande, Corumbá, Dourados, Ponta Porã, Rio Brilhante, Maracaju, Ribas do Rio Pardo, Água Clara, Paranaíba, Caarapó, Aquidauana, Amambai, Miranda, Anastácio, entre outros”, enumerou o diretor. Ele informou que a cooperativa tem, aproximadamente, 80% do mercado de ovos de Mato Grosso do Sul.
Antes, porém, de chegarem às prateiras dos supermercados desses vários municípios, os ovos passam por processo produtivo, que se inicia nas granjas. São 26 ao todo, que fornecem à cooperativa, com cerca de 900 mil aves. A produção efetiva de ovos é, de fato, a ponta final do trabalho nas granjas.
Entre os granjeiros, estão o casal Helena Satiko, 52 anos, e o marido dela, Paulo Makoto, 56. “Era do avô dele, passou para o pai e, agora, está com ele. Desde criança, ele trabalha com granja”, contou Helena, em referência ao esposo.
Na granja do casal Satiko e Makoto, havia 12 mil pintinhos com nove dias de vida quando a equipe de reportagem esteve no local. De modo geral, os pintinhos chegam às granjas com apenas um dia. Em cada gaiola, são colocados cerca de 50 aves.
Com sete dias, são debicados (ponta do bico cortada). “Isso é necessário para evitar que se machuquem, que biquem uns aos outros”, explicou Suzuki, que acompanhou a equipe de reportagem na visita à granja.
Passados 14 dias, as aves são levadas para outro galpão, onde ficam oito aves por gaiola. Depois de 30 dias, na última transferência da fase de cria e recria, as galinhas são colocadas em outro pavilhão em grupos de cinco por gaiola. Ficam no local, por mais 65 dias, totalizando quase quatro meses.
Nessa última etapa da cria e recria, as aves passam por novo processo de debicagem. Isso ocorre aos 60 dias de vida aproximadamente. Gilson Pires, 34 anos, que trabalha há 16 anos como vacinador e debicador, explicou que a máquina que corta os bicos das aves funciona a uma temperatura de 400 graus. “Isso cauteriza o bico na hora”, afirmou.
Após a cria e recria, as aves são levadas paras as poedeiras. Nesse momento, é que se inicia, de fato, a produção de ovos. As galinhas botam, em média, um ovo por dia. “São necessárias 25 horas, em média, para a formação dos ovos”, informou Manabu Suzuki. Depois de um ano e meio de produção, as aves são destinadas ao abate.
Ainda na granja, os ovos passam por pré-seleção. São descartados os ovos trincados ou mal formados dos que apresentam qualidade melhor. Também, no local, são separados por tamanhos, com as seguintes classificações: pequeno, médio, grande, extra e jumbo.
Na sequência, os ovos são transportados para a Camva. No local, trabalham 75 pessoas, a maioria mulheres. “Elas são mais delicadas, o que é importante aqui”, explicou Suzuki, que estima que 80% do quadro de pessoal é formado por mulheres.
“Os ovos passam pela máquina de classificação. São retirados os que têm casca fina, sujos ou trincados”, informou o diretor, enquanto caminhava com a equipe de reportagem pela central de seleção da Camva.
Feita essa triagem inicial, os ovos seguem em uma esteira para serem lavados e secados. Depois, passam pela ovoscopia. Nesse momento, através de fontes de luz, são analisados internamente e há novo corte dos que são inadequados para a comercialização.
Na sequência, os ovos são pesados, classificados e dispostos em cartelas com 12 ou 30 unidades. São, por fim, encaixotados (360 ovos por caixa), carregados em caminhões para serem transportados ao comércio.
Fatores sazonais derrubaram preço, mas ano foi bom com migração da carne ao ovo
No período de férias escolares – sem comida nas cantinas, sem bolos e outros alimentos nas lancheiras das crianças – o consumo de ovos é menor. Além disso, em época de festas, ovos são preteridos à carne. Isso é sazonal, mas, neste ano, a oferta de ovos permaneceu elevada. Essa combinação resultou em queda nos preços.
De acordo com a cotação do site Ovo online, a caixa com 30 dúzias (360 unidades) custa, atualmente, R$ 62. No ano passado, em igual período, estava cotada a R$ 74. A redução é de 16%. “Por volta de março, os preços voltam a se recuperar”, disse Suzuki.
Essa queda pontual não afeta, entretanto, os resultados do ano passado, conforme avaliação do diretor. “Tivemos em 2017 um ano bom em vendas”, afirmou. E isso se relaciona à redução do consumo da carne bovina. “A alternativa à carne é o ovo”, lembra Suzuki.
Consumo interno cresce e produção nacional chega a 39 bilhões de ovos
No anonimato de seus trabalhos diários nas granjas, as famílias japonesas de Terenos contribuem para um hábito alimentar cada vez maior entre os brasileiros: o de comer ovos. Seja cozido, frito, como ingrediente de outros alimentos, o ovo de galinha é consumido em alta escala no País.
Em 2016 (último dado), o consumo anual per capita no Brasil foi de 190 ovos, conforme números da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal). Para alimentar cada pessoa com pouco mais de 15 dúzias em média e destinar parcela à exportação, o mercado nacional produziu 39,18 bilhões de ovos em 2016. São 107,34 milhões de unidades por dia – considerando o ano cheio e não apenas dias úteis.
Nos últimos anos, a produção tem crescido, impulsionada pelo consumo doméstico. Na comparação com 2010 (28,85 bilhões de ovos), a produção em 2016 cresceu 35%. Esse incremento ocorreu mesmo as exportações despencando, no mesmo período, em 62%: de 27,7 mil toneladas para 10,41 mil toneladas. O contrapeso veio do consumo interno, que aumentou 28%, de 148 para 190 ovos per capita.
Contribuição japonesa – Alguns dígitos que compõem esses tantos números integram a história de famílias que cruzaram o oceano Atlântico e viajaram por quase 20 mil quilômetros há 58 anos. Em um extremo dessa distância, há a província de Yamaguchi e a esperança de reconstrução no pós-guerra; no outro, há uma pequena cidade sul-mato-grossense e a retomada da vida pelo caminho do cooperativismo.
Campo Grande News