Por que a etiqueta respiratória é fundamental em tempos de coronavírus?

Por que a etiqueta respiratória é fundamental em tempos de coronavírus?

13 de março de 2020 0 Por redacao
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Do trabalho à academia, no Uber e até no Tinder, um infectologista orienta para como atravessar a pandemia com menos riscos, sem medo ou estigma.

“Estou aqui pra combater a epidemia de medo“. É assim que o Dr. Gerson Salvador, médico infectologista e especialista em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP resume as respostas para as (muitas) questões da GQ Brasil sobre o cotidiano após a chegada do novo coronavírus no Brasil. Enquanto o número de casos confirmados cresce (são 134 mil ao redor do mundo nesta quinta, 77 no país), muitas dúvidas surgem em relação a como agir no trabalho, na academia ou mesmo individualmente. E se as questões são diversas, as respostas são quase as mesmas para todas elas. A melhor forma de prevenir a disseminação do coronavírus é a mesma de qualquer outra infecção do tipo: higiene das mãos e etiqueta respiratória.

Higienização das mãos é uma das melhores prevenções contra o coronavírus  (Foto: Getty Images)
 

E o que é etiqueta respiratória, afinal? “Basicamente, se a pessoa tosse, é cobrir a boca com a região do cotovelo para evitar que as gotículas sejam disseminadas no ambiente; se usar um lenço para assoar o nariz, jogar o lenço fora – e fazer a higiene das mãos, né?!” A dica parece simples de lembrar, mas é essencial, tanto em tempos de pandemia quanto no cotidiano.

Isso é tudo? Basicamente. Mas, aproveitando o contato com o infectologista (super requisitado nesses tempos), aproveitamos também para perguntas de máscaras, luvas, de treinos da academia e de bebedouros, de elevadores, da cozinha do trabalho e até do Tinder. Porque, afinal, é preciso estar calmo em tempos de alerta, evitar o pânico desnecessário e deixar o profissional de saúde e os hospitais fazerem seu trabalho. Aliás, qual a hora de procurar um hospital? Confira tudo abaixo:

GQ Brasil: Começando pelo começo, a declaração de pandemia muda alguma coisa para um indivíduo, na prática?
Dr. Gerson Salvador: Não, não muda absolutamente nada. A declaração de pandemia não fala nem de gravidade da doença, ela fala que uma doença, uma infecção, está sendo transmitida em diversos territórios nacionais e em distintos continentes. É isso que significa pandemia, não fala de gravidade.

GQ Brasil: Por que algumas pessoas foram enviadas para casa e outras não?
Dr. Gerson Salvador: Posso responder com toda a tranquilidade que hospital é para tratar de doentes graves. Sendo que pelo menos 80% dos casos de coronavírus são leves, esses pacientes que não precisam de suporte oxigênio, de suporte hospitalar, esses pacientes devem ir para casa, de fato aguardando, porque de fato a grande parte das pessoas não precisa de intervenção médica, elas só precisam ser afastadas do trabalho e evitar a circulação para que se previna a disseminação do vírus.

Coronavírus (Foto: Getty Images)
Coronavírus (Foto: Getty Images)

GQ Brasil: Ao primeiro sintoma, o ideal é ficar em casa ou ir ao médico – já que ainda não tem remédio?
Dr. Gerson Salvador: Lembrando que os sintomas são muito parecidos com os de resfriados e com as gripes em geral, dado esse momento de ascensão da epidemia, eu recomendaria que as pessoas tivessem um médico de referência, mas não em um ambiente de pronto-socorro, preferencialmente. No sistema público já foi orientado pelo Ministério da Saúde as unidades básicas de saúde devem fazer a maioria dos atendimentos e os hospitais devem ser reservados para os casos graves que precisam de atendimento hospitalar. Eu recomendo às pessoas que procuram a saúde suplementar que procurem as unidades ambulatoriais e não emergências, se não estiverem com desconforto respiratório. Então evitar a circulação e procurar o atendimento mais adequado pro patamar de complexidade. No caso de coronavírus, o que determina a gravidade é principalmente a falta de ar, o desconforto respiratório que pode resultar em necessidade de terapias contendo oxigênio.

Eu e eu mesmo

GQ Brasil: Enquanto escrevo estas perguntas, cocei meu rosto em cinco lugares diferentes. O próprio tema parece “ativar” coceiras no rosto. Existe alguma forma “segura” de coçar o rosto em tempos assim?
Dr. Gerson Salvador: Existe a medida mais eficaz para evitar a contaminação por coronavírus, do influenza e diversas outras infecções, que é a higiene das mãos, então se você tiver acabado de lavar as mãos ou passar álcool gel você pode dar uma coçadinha no seu rosto. No geral, a pessoa contrai a infecção muitas vezes de maneira indireta, uma superfície contendo o vírus, a pessoa toca, leva a secreção para seu próprio corpo coçando o nariz, coçando a boca e coçando o olho. Então é isso, tem que fazer a higienização sempre.

GQ Brasil: Coçar meu rosto com a blusa ou com a camiseta é mais seguro do que coçar com a unha?
Dr. Gerson Salvador: Não [risos]. Para um vírus, o tecido da camiseta, o vão do tecido é um espaço infinito. Então não faz diferença.

Como limpar o seu celular e se proteger do coronavírus? (Foto: Getty Images)
 

GQ Brasil: Dizem que nosso celular é o item mais sujo que carregamos. Devemos mudar nossa postura com ele por causa do coronavírus?
Dr. Gerson Salvador: A gente tem que ter cuidado com nossa higiene, inclusive com nossos objetos pessoais, o celular que a gente manuseia constantemente, sim, a gente pode deixar ali secreções respiratórias contendo microrganismos. Então a higiene deve ser geral, inclusive com nossos utensílios. Mas existe muita celeuma, né, outro dia vi uma matéria falando que na barba tem bactéria, celular tem bactéria… no nosso corpo, 50% das células que carregamos não são nossas, são bactérias, são protozoários, são outros microrganismos, então a gente tem que ter uma certa tranquilidade, mas manter nossos objetos de uso pessoal limpos podem diminuir a chance de contrair infecções e uma limpeza de tempos em tempos com álcool 70% pode ser eficaz para deixar tudo limpinho. Mas é higiene das mãos. Essas medidas extraordinárias na minha opinião não ajudam muito, elas acabam causando celeuma. O que dá certo é: higiene das mãos, evitar colocar as mãos nos olhos, evitar a circulação de pessoas doentes e a etiqueta respiratória.

GQ Brasil: Qual a hora certa de procurar um médico/hospital?
Dr. Gerson Salvador: Nessa situação, as pessoas com sintomas respiratórios e febre devem procurar atendimento médico nas unidades ambulatoriais e unidades básicas de saúde, principalmente para evitar a circulação de pessoas sintomáticas e a transmissão e o hospital deve ser procurado por pessoas com sintomas graves, com desconforto respiratório ou com alteração de consciência. As pessoas não devem sair correndo para o hospital com qualquer dor de garganta ou na primeira febre, porque isso, além de superlotar essa estrutura que deve estar disponível para os doentes mais graves, essa pessoa com doenças mais leves acaba se expondo a uma míriade de microrganismos que ficam no hospital, então hospital é para doença grave

GQ Brasil: Minha vitamina C toda manhã me ajuda a não contrair o COVID-19?
Dr. Gerson Salvador: Não ajuda, não tem nada a ver, não evita a contrair o COVID-19 e também não evita gripe. Usar vitamina C como medida para prevenir gripe e infecção pelo coronavírus e outras infecções respiratórias é uma ilusão. Então isso é algo que já faz parte do nosso folclore, as pessoas acreditam, a indústria vende os seus produtos, mas é uma ilusão. Então tomar polivitamínico não muda a chance de contrair infecções respiratórias, nem mesmo a gripe, como é divulgado frequentemente.

GQ Brasil: Preciso parar de usar anéis? E minha barba?
Dr. Gerson Salvador: Fique em paz, não se preocupe. Existe muita celeuma em torno da barba por conta de desinformação. Aparecem matérias que na barba tem bactérias, que é sujo… tem bactéria na barba, tem bactéria na mão, tem bactéria no nariz, tem bactéria no intestino. No nosso corpo, 50% das células que carregamos não são nossas. Então nosso corpo é um microambiente, a gente vive num meio de diversos microrganismos e isso é absolutamente normal, antes de haver o ser humano esses microrganismos já estavam aqui na Terra e nós estamos adaptados a ele. Então a sua barba use se quiser usar: não vai ser por conta do coronavírus que a gente vai mudar isso. Em relação aos anéis é importante saber que anéis e relógios dificultam a higiene das mãos, então em ambiente hospitalar por exemplo a gente recomenda que os profissionais não usem anéis e adereços nas mãos. Então essa informação é relevante se for pra melhorar a qualidade da higiene das mãos seria importante que as pessoas realmente não usassem anéis, pulseiras e outros adereços.

Eu e os outros

GQ Brasil: Existe essa expressão, “etiqueta respiratória”, que não tem a ver apenas com tempos de epidemias. A que se refere, exatamente?
Dr. Gerson Salvador: Essa é uma ótima pergunta e é realmente o destaque, porque é o que funciona, junto com a higiene das mãos tem a higiene respiratória. Basicamente é, se a pessoa tosse, cobre a boca com a região do cotovelo pra evitar que as gotículas sejam disseminadas no ambiente, se usar um lenço para assoar o nariz, por exemplo, joga o lenço fora e faz a higiene das mãos, né?! E uma pessoa que tem sintomas respiratórios deve circular o mínimo possível, se tá com febre ou infecção respiratória, mesmo que não seja coronavírus pode ser influenza, o ideal é que ela tenha o mínimo de contato com outras pessoas.

GQ Brasil: Uma pessoa no meu Uber Juntos não parece muito saudável. Eu devo descer do carro?
Dr. Gerson Salvador: Você fala da pessoa no Uber ou no transporte público… enfim, a gente tá exposto às infecções respiratórias, as pessoas estão deixando gotículas por aí, você não sabe quem foi a última pessoa que pegou o uber, entendeu? Então talvez não faça muita diferença. Basicamente, a gente deve manter a higiene das mãos, se possível andar com um álcool gel: entrou no transporte, saiu do transporte, fazer a correta higiene das mãos e evitar colocar as mãos nos olhos. Sem alarde, sem pânico, sem desespero.

No trabalho

GQ Brasil: Qual a hora das equipes de RH conversarem com seus funcionários?
Dr. Gerson Salvador: Sempre. Eu vou lembrar que o coronavírus é uma doença que dá casos com mais gravidade nos idosos, uma população com maioria aposentada, a partir de 60 anos aumenta a letalidade, apenas 2% dos casos são em menores de 20 anos e a grande maioria das pessoas mais jovens quando adquiriram essa doença, a adquiriram de forma mais leve. Mas os RHs devem se preocupar com a influenza, que é a gripe, a gripe mata todos os anos de 290 a 690 mil pessoas segundo a OMS, e evitar a transmissão de doenças respiratórias no ambiente de trabalho vai beneficiar a todos, então os RHs já deveriam ter conversado, na realidade. E agora é um momento oportuno sim.

GQ Brasil: Um profissional que está viajando pela Europa ou pela Ásia, em países amplamente infectados pelo vírus, pode voltar ao escritório sem consultar um médico antes?
Dr. Gerson Salvador: Para transmitir vírus respiratórios, a pessoa precisa de secreção respiratória. Então não é recomendado que se façam testes em pessoas assintomáticas e também existem algumas empresas que estão orientando uma quarentena voluntária pelo período de incubação de 14 dias. Nesse momento a gente tem que procurar medidas para evitar a circulação do vírus, para evitar com que infecte um número elevado de pessoas. Nesse sentido, as empresas que têm condições de fazer home office, trabalho remoto, podem contribuir para o controle. E a gente sempre deve estar atento às recomendações estritas das autoridades sanitárias. Observar o que as secretarias de saúde e que o Ministério da Saúde estão dizendo, porque essas recomendações podem mudar a qualquer momento.

GQ Brasil: Ainda falando da empresa, a cozinha de lá é comunitária. Eu posso usar os itens comunitários? E usar, digamos, o filtro de água?
Dr. Gerson Salvador: Em relação ao filtro, torneira, o que vou falar é: façam a higiene das mãos. Deixa um álcool gel perto do filtro, todo mundo que for usar faz a higiene das mãos antes e depois. Agora, em relação aos itens de uso pessoal, é melhor não compartilhar. É melhor você ter seu copo, sua caneca, é melhor você ter seus próprios talheres ou que eles sejam lavados entre o uso de uma pessoa e outra. Aquele negócio de você dar uma garfada e botar na boca do amigo para provar talvez não seja o mais adequado.

GQ Brasil: Tossiram no elevador, o que eu faço?
Dr. Gerson Salvador: Que pergunta difícil, hein?! [risos] Sei lá, higieniza a mão, né?! Acho que depois que entrar ou sair do elevador faz a higiene das mãos. É também um bom momento para alertar seu vizinho, perguntar a ele se já ouviu falar de etiqueta respiratória, sempre com cuidado e sem pânico

GQ Brasil: Posso usar itens da cozinha do escritório?
Dr. Gerson Salvador: Acho que sim. Desde que estejam limpos, sim. Um prato, uma pessoa usou, lavou com água e sabão, a outra pessoa pode usar depois.

Na academia

GQ Brasil: Vou precisar comprar luvas para puxar peso?
Dr. Gerson Salvador: Não. As luvas não vão impedir que ninguém contraia uma infecção em ambientes comunitários porque você tem que fazer a higiene das mãos e com a luva você vai fazer até menos higiene. Então a pessoa tá ali com a luva, tá achando que tá segura, coça o olho com a luva e acaba se infectando. Então esse negócio de andar com máscara e andar com luva é uma ilusão.

GQ Brasil: Gente correndo, respirando forte, transmite mais o vírus?
Dr. Gerson Salvador: Não. Quem vai transmitir é quem tá doente e tem secreção respiratória.

GQ Brasil: Posso usar o bebedouro da academia?
Dr. Gerson Salvador: Tem que ter rotina de limpeza nos bebedouros, né?! Enfim, mas se alguém botou a boca lá e tava infectado, eventualmente pode transmitir infecções que são transmitidas por gotículas no geral. Então não existe resposta absoluta sobre ‘isso você pode, aquilo você não pode’, tá?!

GQ Brasil: Preciso lavar as mãos antes e depois de cada exercício?
Dr. Gerson Salvador: Com certeza! Pegou nos halteres, lava a mão. Vai pra outro exercício, lava a mão, entre um procedimento e outro, lave a mão.

Em viagens

GQ Brasil: As dúvidas aqui são parecidas com as outras, mas em aeroportos o que muda? São ambientes mais contagiosos? Vale usar máscara, luvas?
Dr. Gerson Salvador: A vida segue, a gente vai continuar trabalhando e produzindo, a sociedade não pode parar, as pessoas que estão doentes precisam ser afastadas do ambiente do trabalho enquanto estão sintomáticas, passaram os sintomas, elas podem ser reintegradas, ainda que tenham confirmado o coronavírus ou outra infecção qualquer tá?! Não é para usar máscara, máscara é para o profissional de saúde atender porque ele vai ter um contato íntimo, vai abrir a boca do paciente para examinar e a máscara não protege a pessoa em um ambiente aberto tá? Ela pode ser usada por uma pessoa que está infectada como parte da etiqueta respiratória para não transmitir a doença para outras pessoas, para isso funciona.

Com os amigos

GQ Brasil: Um amigo me oferece um gole do seu drink em um bar. Eu aceito?
Dr. Gerson Salvador: Não, nada de compartilhar a saliva com as pessoas à toa.

GQ Brasil: Jogar videogame com o amigo está proibido?
Dr. Gerson Salvador: Se ele estiver infectado, eu sugiro que vocês joguem pela internet, videoconferência talvez. Mas não tá proibido, tá?! Jamais. A gente não deve estigmatizar as pessoas com doenças infecciosas. Muito frequentemente se estigmatiza, a gente deve evitar o estigma, a xenofobia, deve evitar qualquer tipo de preconceito, as pessoas que estão doentes precisam ser é cuidadas.

GQ Brasil: E para usar o Tinder (ou sair paquerar?) Preciso perguntar se o contatinho esteve na Europa antes de beijar?
Dr. Gerson Salvador: Essa pergunta é difícil. Primeiro: o vírus está no Brasil, ou seja, está circulando, né?! Mas enfim, tem outras questões que são mais relevantes em relação à transmissão num encontro sexual ou afetivo que acho que deve fazer parte das devidas preocupações, mas pra não deixar de responder, se a pessoa estiver tossindo e com febre é melhor marcar o encontro para a semana seguinte para não perder a oportunidade também, se for importante para o casal. Espero ter respondido.


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